Em 31 de outubro de 2019 - Terrenos de Marinha

João Manoel do Nascimento – advogado

 

Muitos dos atingidos por demarcações de terrenos de marinha ficam chocados quando descobrem o impacto sobre o seu patrimônio particular, ainda que este tenha sido constituído de boa-fé, há décadas, com matrículas em registros de imóveis, escrituras públicas, obedecidas todas as autorizações governamentais e até adquiridos mediante financiamento habitacional.

Por isso, existe grande esperança de que os legisladores brasileiros possam operar “milagres”, em especial, por parte dos atingidos por novas demarcações na Ilha de Santa Catarina (município de Florianópolis), que ainda não são definitivas, bem como os ocupantes e os foreiros de todo o Brasil, que estão preocupados com o risco de ter que “recomprar” o terreno onde estão edificados os seus imóveis.

Nesse sentido, para que se tenha uma compreensão mais racional de como o tema está sendo debatido no Congresso Nacional, pontuam-se os principais projetos legislativos sobre terrenos de marinha.

Inicialmente, para melhor compreensão, cumpre esclarecer que, conforme Decreto-Lei 9.760/1946, os terrenos de marinha compreendem uma faixa de 33 metros ao longo da costa marítima e das margens de rios e lagoas que sofrem a influência das marés, considerando o marco referencial da média das marés altas do ano de 1831, tanto no continente como nas ilhas. Por sua vez, os terrenos acrescidos de marinha são aqueles naturais, formados por aluvião ou avulsão, ou artificialmente (ação do homem), em seguimento aos terrenos de marinha também com base no marco referencial da preamar média do ano de 1831, na direção do mar, dos rios e das lagoas. Enfim, aos acrescidos de marinha se aplicam as mesmas regras a que estão sujeitos os terrenos de marinha.

Ademais, os terrenos de marinha são reconhecidos como bens públicos (bens dominicais) pertencentes à União, a teor do inciso VII do artigo 20 da Constituição Federal de 1988.

Apesar da existência do Decreto-Lei nº 9.760/1946, o ponto sensível da questão está na metodologia de demarcação, sendo que a vigente atualmente é a Orientação Normativa GEADE 002/2001, Portaria SPU nº 162 de 21/09/2001.

Ainda, não é demasiado lembrar que terrenos de marinha e seus acrescidos não são nem nunca possuíram qualquer relação com o Direito Ambiental. Eles apenas são bens dominicais da União, bens públicos patrimoniais disponíveis. Aliás, os últimos diplomas legais desde 2015 deixaram muito claro que a União passou a pretender a facilitação da alienação onerosa destes bens ou da parcela do domínio que ainda é pública.

Feito este breve introito, as propostas que tramitam vão desde a alteração de dispositivos constitucionais até a modificação da metodologia de demarcação, do marco referencial e, apenas, visam ao fim das taxas de ocupação, foro e laudêmio.

A Proposta de Emenda Constitucional nº 39-A, de 2011, que tramita na Câmara dos Deputados, pretende a revogação do inciso VII do art. 20 da Constituição e o § 3º do art. 49 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, para extinguir o instituto do terreno de marinha e seus acrescidos e para dispor sobre a propriedade desses imóveis.

Fruto de grande esforço de parlamentares de vários partidos, à essa PEC apensaram-se a PEC nº 16, de 2015; a PEC nº 27, de 2015; e a PEC nº 30, de 2015. Isto é, a partir do início de 2015, os quatro projetos passaram a tramitar em conjunto para constituir um único texto final. Submetido a uma comissão especial de mérito, o último parecer adveio em 21/11/2018 e foi aprovado surpreendentemente no mesmo dia.

No entanto, a PEC 39-A, de 2011, não contempla os anseios da população, em especial da classe média urbana, pois, conforme ressaltado pelo § 1º do seu art. 2º, a transferência somente será gratuita no caso das áreas ocupadas por habitação de interesse social e das áreas afetadas ao serviço público estadual e municipal. Isto é, muito embora este projeto diga que “extingue os terrenos de marinha e os seus acrescidos”, boa parte das transferências será onerosa. Em outras palavras, os ocupantes, os foreiros e os atingidos por novas demarcações terão que comprar a área sobre o qual está edificado o seu imóvel.

A PEC 39-A, de 2011 aguarda votação pelo Plenário da Câmara dos Deputados e precisará de três quintos dos parlamentares, em dois turnos de discussão. Posteriormente, ainda terá que passar pelo Senado Federal.

No âmbito infraconstitucional, chama a atenção o Projeto de Decreto Legislativo PDC 581/2017, que pretende sustar a metodologia atual de demarcação, Orientação Normativa GEADE 002/2001 (publicada pela Portaria SPU nº 162 de 21/09/2001). A tese é a de que a norma editada pelo Poder Executivo ultrapassou os limites do poder regulamentador e, portanto, violou o princípio da legalidade.

O interessante desse projeto de decreto legislativo (PDC 581/2017) é que ele já foi aprovado pelo Senado Federal no final de 2015, sendo que, atualmente, tramita na Câmara dos Deputados. Ainda resta ser analisado por 3 (três) comissões internas, dentre elas a Comissão de Constituição e Justiça; entretanto, quando chegar ao Plenário, somente precisará de maioria simples de votos e dispensa a sanção (promulgação ou veto) do Presidente da República.

Recentemente, no dia 09 de outubro de 2019, ocorreu uma audiência pública sobre o PDC 581/2017, no qual os integrantes da Comissão de Desenvolvimento Urbano e vários parlamentares da “bancada catarinense” tiveram a oportunidade de debater e ouvir especialistas.

Também merece destaque o Projeto de Lei PL 807/2019, que pretende extinguir todas taxas cobradas pela União sobre os terrenos de marinha e seus acrescidos. Este projeto ainda terá que ser analisado por 3 (três) comissões internas da Câmara dos Deputados, antes de ser votado no Plenário. Posteriormente, ainda terá que tramitar no Senado Federal.

A última medida legislativa que é digna de realce trata do recentíssimo Projeto de Lei 5.553, de 2019, que tramita no Senado Federal e que pretende a alteração do marco referencial dos terrenos de marinha. O objetivo é revogar a “linha do preamar médio do ano de 1831” para passar a ser a “Linha Base Normal do Mar Territorial”.

Diante do brevíssimo relatório das medidas legislativas sobre a matéria terrenos de marinha, percebe-se que talvez não seja prudente que, os atingidos por demarcações de terrenos de marinha, ainda possam discutir na esfera administrativa ou na esfera judicial, fiquem aguardando que algum “milagre” surja no curto prazo. Evidentemente que seria magnífica a extinção deste instituto e outras alterações. Entretanto, não parece ser razoável confiar seu patrimônio particular apenas a futuras e incertas soluções legislativas.

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